Todo núcleo de comédia que se preze conta com um personagem – ou vários – acima do tom. E, muitas vezes, são os gays caricatos que assumem esse lugar. De uns tempos para cá, tem sido comum identificar homossexuais afetados e bem-humorados nas produções da TV. Atualmente estão no ar papéis do gênero em
Balacobaco, da Record, e em A Grande Família e Pé na Cova, da Globo.
No seriado de Miguel Falabella, aliás, quem faz jus ao posto de gay caricato é a personagem interpretada por Mart´nália, a mecânica Tamanco, cujo nome já justificaria a citação. Na mesma produção, está o irmão de Tamanco, Marcão – vivido por Maurício Xavier –, que se traveste de Markassa quando bem entende.
Antes disso, outros gays divertidos marcaram presença na teledramaturgia, como o Crô, interpretado por Marcelo Serrado em Fina Estampa, o Cássio, conhecido pelo bordão "tô rosa chiclete", encarnado por Marco Pigossi em Caras & Bocas, e o Orlandinho, de Iran Malfitano, em A Favorita, entre outros.
Mas compor esse tipo de personagem normalmente exige um grau de observação apurado do ator que o interpreta. "Foram pinceladas de vários segmentos gays. Hoje, eu sigo, através das redes sociais, os movimentos gays, frequento festas para esse público. E cheguei a ir à praia onde os gays do Rio frequentam", conta Thierry Figueira, que interpreta Patrick em Balacobaco.
Aparentemente, os personagens gays que fazem um estilo mais espalhafotoso acabam caindo no gosto do público. Rafael Zulu, atualmente no ar na novela da Record, sentiu isso na pele. Foi justamente quando interpretou o crítico de moda Adriano, em Ti-Ti-Ti, exibida pela Globo em 2010, que o ator ganhou um reconhecimento maior das pessoas.
"Foi o papel que me trouxe mais popularidade. Muitos casais héteros vinham me dizer que tinham um amigo assim ou queriam ter. E muitos gays me encontravam e achavam que eu era gay também. Isso, para mim, era incrível", recorda ele, que defende que Adriano não tinha um perfil tão caricato assim - apenas cometia alguns deslizes. "O personagem dava os 'pitis' dele. Mas poucas vezes precisei mudar minha voz em cena. Depois, ele se apaixonou verdadeiramente pela personagem da Fernanda Souza."
Para a autora da novela, Maria Adelaide Amaral, o perfil de Adriano reflete muitos profissionais do mundo da moda: "é um personagem típico do meio em que trabalha. Basta assistir a qualquer programa sobre moda para ver muitos Adrianos lá."
Papéis de gays caricatos divertem as histórias. Mas o jeito extrovertido do personagem é às vezes uma preocupação para o intérprete. Fábio Porchat, por exemplo, achou melhor ter cuidado na hora de buscar o tom ideal de Junior, que interpreta em A Grande Família. Queria que fosse engraçado, mas, ao mesmo tempo, crível. "Em A Grande Família o tom é engraçado, mas real. Não é nem para o Zorra Total, nem para novela. É meio termo. E fazendo um gay, geralmente, você cai em um ou no outro", explica.
João Miguel, que recentemente atuou em O Canto da Sereia na pele de Só Love, também foi atrás de um gay possível, por mais que o personagem tivesse suas afetações. Para isso, observou a postura, o jeito de se vestir e outros elementos de homossexuais mais "bafônicos" que encontrou por aí. "A postura mais efeminada do Só love – reunindo roupas justas, o olhar meio perdido e apaixonado, a caracterização meio andrógina – pode ser facilmente vista nas ruas. Foi um personagem bem diferente e difícil para achar o tom certo. Ele poderia ficar mais 'over' do que deveria a qualquer momento", reforça o ator.
Às vezes o sucesso de um personagem gay é tanto que ultrapassa a importância novela. Prova disso foi a boa repercussão de Crô, interpretado por Marcelo Serrado em Fina Estampa. Ainda com o folhetim de Aguinaldo Silva no ar, cogitava-se a possibilidade de o mordomo afetado ganhar um especial de fim de ano na TV Globo. Depois, a ideia de prolongar a vida do personagem foi amadurecida e se transformou em filme, em fase de produção.
"O Crô conseguiu se sobrepor a qualquer tipo de preconceito. Até as crianças o amam. O gay virou uma coisa menor hoje em dia", destaca Serrado, antes de acrescentar: "o Aguinaldo nunca teve a ideia de fazer um personagem gay que levantasse bandeira. Queria uma coisa divertida", diz.
À paisana
Não só personagens gays caricatos têm ganhado um espaço grande na teledramaturgia. Os mais discretos também são recorrentes nas tramas. Dani Moreno, atualmente no ar em Salve Jorge, interpretou uma homossexual em Amor e Revolução, exibida pelo SBT entre 2011 e 2012. No folhetim de Tiago Santiago, a atriz viveu Marta, uma mulher apaixonada pela melhor amiga. Mas Dani, sempre que era abordada por alguém a respeito da orientação sexual de seu papel, tentava tirar a questão de foco. "Eu dizia: 'não faço uma lésbica, faço uma mulher que é apaixonada por uma pessoa, que, por acaso, é outra mulher'. A Marta foi uma personagem um tanto forte", recorda.
Em Avenida Brasil, Daniel Rocha teve a oportunidade de, logo em sua estreia na TV, encarnar um papel complexo. Durante boa parte da trama, Roni, seu personagem, dava indícios de que poderia ser homossexual. No final do folhetim, no entanto, acabou formando um triângulo amoroso inusitado com Suelen e Leandro, vividos por Isis Valverde e Thiago Martins. "Acho que sai do óbvio. Fica mais interessante fazer um personagem assim do que de outro jeito", ele diz.
Instantâneas
Inicialmente escalado para fazer uma participação de um mês em A Favorita, Iran Malfitano acabou ganhando mais espaço na novela de João Emanuel Carneiro e ficou até o final por causa do sucesso de Orlandinho, seu personagem gay, que, volta e meia, aparecia em cena com os cabelos trançados
Em Amigas e Rivais, exibida pelo SBT, Jandir Ferrari viveu um falso gay. Na trama, o personagem fingia ser homossexual, do tipo espalhafatoso, para conseguir emprego como cabeleireiro no salão de beleza da história
Thierry Figueira já interpretou um homossexual antes do Patrick de Balacobaco. Na temporada de Malhação exibida em 1996, ele fez uma participação na pele de um gay enrustido.
Leonardo Miggiorin chamou atenção quando deu vida ao Roni de Insensato Coração. "De primeira, tive receio em ficar estigmatizado. Mas era uma novela do Dennis (Carvalho) com Gilberto (Braga). Eu queria fazer de qualquer jeito", conta
Para alguns pode parecer politicamente incorreto a TV apostar em personagens gays caricatos, mas sem duvidas a popularização dos gays através da TV tem colaborado para que o Brasil deixe um pouco de ser preconceituoso e não nos encare como uma ameaça.
Com informações Terra